I
AOS
VINTE e nove dias do mês de Fevereiro de 2016, na capital sergipana, onde eu
morava, despertei com um som diferente. Olhei entre as brechas da porta de
entrada e não vi ninguém. Devia estar sonhando, mas o som era tão real quanto
meu nascimento. O sono fora embora. Fiquei assustado, pois o som que ouvira,
vinha simplesmente do nada, era tão melancólico e ao mesmo tempo eufórico.
Realmente era muito estranho! E uma e mais uma vez ele entoava nos meus ouvidos
um som muito sereno. Fazia-me lembrar das trilhas sonoras dos romances,
daqueles contos de "felizes para sempre". E sempre que o procurava,
nem o rasto, se quer, eu o via. As horas iam se passando e o danado do
repertório carrancudo me procurava feito uma mãe apavorada atrás do seu filho perdido.
Aquilo me incomodava muito, não pela intensidade do barulho, mas pela
curiosidade que me sacudia os pensamentos de tudo que era ruim. Logo, quando
pensei em desistir, o som silenciou meus ouvidos de burro. Então continue o dia
como se nada tivesse acontecido. Tomei o café da manhã com a minha avó materna,
D. Bondade, que sempre acordara cedo, pois além de ter que tomar a insulina
(por conta da Diabete), tinha o hábito de despertar-se muito cedo. Ela sempre
fora muito cautelosa e zelosa para com os filhos, netos, bisnetos e tataranetos.
Sempre do mesmo jeito, com seus cabelos grisalhos, suas preocupações alheias e
seu jeito de mato. Todavia, dava conselhos valiosos para meus primos. Uma vez
ela me dissera que eu não podia desistir da minha formação acadêmica (isso foi
quando eu tive dificuldades para ingressar no curso superior), pois tudo daria
certo, e deu mesmo.
Mas tarde, a minha tia Firmina, também se
juntara à mesa farta.
- A
bênção minha mãe; bom dia José.
Durante
o café da manhã, assistíamos o jornal regional, como era de costume. Eu tentava
de tudo para não me recordar do acontecido. Mas a minha mente me apunhalava
como numa guerrilha de irmãos. Eu tinha que me contentar com o mistério. O
difícil era conseguir.
II
DECIDI
GUARDAR segredo sobre o acontecido. Sabia que elas iriam me chamar de louco ou
coisa do gênero. Elas nem se importavam com minhas teses e meus argumentos de
quimera. A minha tia Firmina, sempre implicava comigo:
-
Esse menino só fala besteira. Mãe não der atenção às bobagens de José. Dizia a
tia mais chata que eu tinha.
Uma
vez, ouvi minha avó conversando com tia Zenaide (uma que morava numa casa ao
lado da nossa), sobre meus comportamentos, diziam que eu tinha a quem puxar: A
minha mãe, Mirtes.
- Ah
mãe! José age igual a sua filha mal educada. Pobrezinho.
A
minha mãe morava com minha irmã, Janaina e com meu padrasto, Castro, num
pequeno povoado do alto sertão sergipano, o Povoado Curituba. Quase ninguém gostava
da minha mãe, porque ela tinha seus modos de lidar com pessoas iguais a tia
Firmina. Minha mãe brigava com todos. Por isso amo-a eternamente, pois ela
brigou por mim, pelo meu futuro, pelo meu eu. Enfrentou os meus inimigos e meus
medos, para me ver feliz. Contudo, uma mãe Guerreira e destemida, porém mal
compreendida. Tive que deixá-la, por conta da faculdade, já que no povoado em
que morava, não havia oportunidades para ninguém, era um lugar bom de morar,
mas difícil de viver.
III
SÓ
HAVIA uma pessoa que me dava atenção: Minha prima Bia, filha de tia Zenaide. Tudo quanto acontecia de ruim comigo, só a
minha prima Bia sabia. Ela, com seus cabelos de baiana, sua voz tenebrosa e seu
aroma de fada, me dava os mais belos conselhos de primos. Entretanto, não quis
contá-la do esquisito acontecimento. Logo, fui para a biblioteca da faculdade
na qual cursava Letras - Português/Espanhol, peguei os coletivos lotados, ainda
pela tarde, e comecei a refletir sobre o acontecido.
Contudo,
pela ironia ou não do destino, em meio a milhares de livros, ouvia novamente
aquele som sombrio. Parei feito uma estátua, e o coração aceleradamente me
agoniava. E passados alguns minutos, o silêncio voltava a predominar naquele
campo de pesquisa acadêmica. O tempo de repente acelerou para mim. Já chegara a
hora das minhas aulas. Tomei um delicioso cafezinho com minha melhor amiga,
Maria Clara, uma menina dócil e carinhosa, tinha a minha idade, 18 anos, porém
não tinha mãe, morrera de câncer – pelo que sei.
Maria Clara morava com seu pai, Aroldo no
Bugio. Eu como um apaixonado bobo, amava tudo o que ela fazia. Depois de tomado
nosso café, seguimos para sala de aula, e eu agi como se - mais uma vez - nada
tivesse acontecido.
IV
DEUS
QUEIRA que eu chegue cedo em casa. A fome aumentava a cada segundo. Minha mente
voltara a me recordar e fazer-me pensar em coisas ruins por causa daquele
misterioso som. Continue guardando segredo sobre ele. No ponto do ônibus, ouvia
novamente o danado do som, só que mais distante, era como se ele tivesse
partindo e querendo me falar alguma coisa urgente. Logo, minha reação fez-me
cego e não vi o ônibus que chegara e parara na minha frente. Tudo cooperava
para meu descaso. E só depois, com o severo silêncio, vira o ônibus partindo.
-
Que sorte a minha! Affs.
Fiquei
muito angustiado, e quando eu menos esperava, outro ônibus chegara ao ponto.
Parti feito um cão ao encontro do seu dono. E quando cheguei em casa, comi
feito um leão faminto, fiz um belo poema inspirado em Maria Clara, arrumei
minha cama fria, fechei os olhos, mas não consegui dormi, rolava e rolava sobre
a cama, abria e fechava os olhos. O som intensificava a cada ronco que tia
Firmina soava. Levantei da cama e fiquei perambulando no corredor da casa. Até
que parou, tudo se silenciou. Dormi muito pouco, acordei com uma dor de cabeça
insuportável e a minha avó Bondade, falando abobrinhas.
Segui
a rotina árdua da vida acadêmica. Neste dia, nem um ruído do tal som, eu ouvia.
E ao contrário de antes, eu sentia-me abençoado. Liberto daquele opressor
sonoro. Mas confesso que senti também muita saudade.
Chegando
à biblioteca, encontrei Maria Clara. Ali estudamos juntos para um trabalho de
metodologia do trabalho científico. Ela, do nada, contou-me tudo, disse-me que
estava preocupada e sem dormir direito. Eu, por coincidência, indaguei-a,
porque também eu não dormi direito, etc.
-Maria
Clara, minha flor. O que houve?
E
tão assustada, eu ouvia de seus belos lábios, o conto de um acontecimento igual
ao meu, sobre um som apavorador, que eu também ouvia.
Logo após, ficamos ali, abraçados por alguns
segundos. A emoção tomou conta do ambiente. Eu queria protegê-la, mas a ingrata
da minha flor, fora embora sem sequer me dar um "Tchauzinho".
V
NOUTRO
DIA, a saudade do som aumentara. Eu me sentia culpado pela partida do
pobrezinho. E também da Maria Clara. Eu estava ansioso, para me reconciliar com
minha flor. Cheguei cedo à biblioteca da faculdade. Esperei, esperei e esperei.
Porém nem um sinal de vida de Maria Clara. Ela não veio fazer o trabalho.
Fiquei pasmo e preocupado.
-
Devo ter deixado-a assustada.
Na
sala de aula, ela chegara atrasada. Eu a observava a todo o momento. Percebi
que ela estava nervosa com algo, pelo balançar repentino dos pés.
Saímos mais cedo da faculdade – não porque liberaram-nos,
mas porque ela havia aceitado meu convite para
que pudéssemos conversar um pouco.
Em
meio a diálogos expelidos pelos belos lábios da minha flor, descobri algo
esplêndido: A reação desavisada de Maria Clara, não fora por minha causa.
-Ufaa!
Ainda bem, menos mal.
Maria
Clara contou-me que havia um mistério desde muito tempo, e que só agora se caiu
à ficha. Sua mãe, Dolores, um dia antes de falecer, deixou este bilhete para
ela:
- Minha flor! Não se deixe ser levada
pelos desejos precipitados da juventude. Não se preocupe se o vazio te
alcançar, eu cantarei para você todos os dias, com o som da minha alma
agasalhadora. Seu verdadeiro amor te encontrará por acaso, e no caso vocês se
entenderão perfeitamente, pois ele também me ouvirá, no tempo certo. A
experiência que você viverá, minha querida flor, você deverá contar para o
rapaz que você quer para si. Mas após contá-lo, você deverá provocá-lo. No
primeiro sinal, saia da presença dele. Deixe-o procurar você. E por fim, vocês
se completarão, de fato, e se fundirão, como uma alma gêmea.
Te amo filha! Tenha um bom dia.
Neste
momento, meus olhos choraram rios de lágrimas. Meu amor por Maria Clara se
tornou profundamente verdadeiro.
Beijamo-nos!
Casamo-nos!
Formamos uma bela família.
E no meu terreiro, continuo a ouvir um sabiá
que não para de entoar o som do meu amor.